segunda-feira, 26 de abril de 2010

Memórias do nosso amigo Oftalmologista

O ordenado do Dr. António Mexia e as minhas memórias
Fernando Ferreira-Pinto*

A polémica que o ordenado do Dr. António Mexia tem levantado e os resultados económicos que a EDP vem revelando durante a sua gestão, enaltecida até pela imprensa da especialidade, que o considera um dos melhores CEO da Europa, suscitam-me as maiores dúvidas e avivam-me recordações tenebrosas de episódios da minha vida profissional.
Gerir uma empresa, que embora privada, continua a ter uma intervenção estatal não despiciente, e que tem a capacidade de manipular os preços do produto que vende (a electricidade) sem concorrência, não me parece poder compara-se com a gestão de uma empresa cem por cento privada e sujeita às leis do mercado. Também, todos os gestores conhecem os truques que dispõem para que uma empresa apresente, no curto prazo, uma situação financeira artificialmente boa, mesmo que estas medidas venham a revelar-se perniciosas a médio e longo prazo.
A saúde de uma empresa é consequência também (e sobretudo) do empenho e dedicação dos seus trabalhadores, a quem o Dr. António Mexia tem pedido sacrifícios, quer nos salários quer nas regalias sociais, a bem do futuro da empresa.
Uma das regalias que auferem os trabalhadores da EDP é a de terem acesso a uma assistência médica convencionada (através da Sãvida, estrutura responsável pelos cuidados de saúde da EDP), que lhes permitia, e aos seus familiares, uma assistência médica de qualidade e a preço controlado. Aliás, o preço dos actos médicos é, e sempre foi, da inteira responsabilidade da Sãvida.
Fui Oftalmologista convencionado dos serviços médicos da EDP durante 17 anos (1990 a 2007) e dei conta da progressiva perda de regalias dos beneficiários: redução da comparticipação nos medicamentos, redução, e até recusa, da comparticipação em actos médicos e cirúrgicos, redução do corpo clínico, encerramento de postos de atendimento, etc. Embora fazendo acompanhar qualquer pedido de autorização com fundamento clínico e por escrito, cheguei a ser instigado, pelas chefias médicas, a limitar os actos médicos e cirúrgicos solicitados para a assistência aos doentes. Os responsáveis médicos chegaram ao ponto de recusar autorização para tratamentos indispensáveis à recuperação da visão e, ou, evitar a cegueira.
Diziam-me os doentes, à laia de conforto e resignação, que esta conduta reprovável por parte dos responsáveis da Sãvida teria como meta a redução da despesa para cumprir objectivos economicistas que, uma vez satisfeitos, revertiam para as chefias sob a forma de prémios de produtividade.
São estes episódios lamentáveis, que tiveram como consequência o meu afastamento como colaborador da Sãvida, e as suspeições dos meus pacientes, que me vêm à memória quando leio que o Dr. António Mexia recebeu, no ano de 2009 e como prémio por cumprimento de objectivos, um valor que daria para pagar o ordenado mínimo a 600 trabalhadores.

*Médico Oftalmologista

Sem comentários:

Enviar um comentário